20-01-2010 - Kerguelen Island
Estamos a poucas milhas da Ilha de Kerguelen e ao encontro de Bob Barker. Sinto uma certa ansiedade para ver nosso outro navio em ação nessa campanha e naturalmente conhecer a outra tripulação que tem atuado bravamente na luta contra a famigerada caça “científica” e a violação do Santuário das baleias do Oceano Austral. Afinal eles passaram toda viagem sendo perseguidos pelo Shonan Maru II e Yushin Maru, perderam o Ady Gil e ainda tiveram que recrutar a tripulação do trimarã perdido.
Aparentemente o Bob Barker não tem sinal do Shonan Maru II há um dia e meio (o que significa que talvez eles tenham desistido de segui-lo pelo momento), e o Yushin Maru parece estar de volta à frota baleeira pensando que o Steve Irwin está nas redondezas. A estratégia de ir até o território francês para ir de encontro do Bob Barker em segurança e sem o conhecimento de ninguém parece ter funcionado.
Recebi um email com a resposta de Fábio Vaz Pitaluga ( Diplomata/Ministro/ Chefe da Divisão do Mar da Antártida e do Espaço) à carta de José Truda Palazzo(ex-vice comissário do Brasil à Comissão Internacional Baleeira e atual presidente do Conselho Superior da Rede Marinho-Costeira e Hídrica do Brasil) junto às outras trinta e uma instituições, expressando posições e preocupações com o processo de negociação da Comissão Baleeira.
Ele agradece as reflexões e diz que tem havido um intenso diálogo entre os órgãos do Governo que estão relativos a esse tema.
Achei que a carta apresenta uma bela resposta diplomática, porém vaga e sem nenhuma posição clara sobre o que pode ser feito em imediato para cessar de vez com os atos de violência no Oceano Austral. Há tanto para ser feito(e não mais dito) e o Brasil não pode assumir uma postura de cúmplice à caça ilegal. Temos um histórico de lideranca conservacionista e precisamos impedir de uma vez por todas a violação do Santuário.
O processo negocial que ocorre na Comissão Baleeira propõe uma redução do número de baleias(chamada “redução global”) caçadas e jamais foi mencionado o fim da matança. A luta é incessante e acredito que se nada for feito agora e nos próximos anos, não haverá mais vida nos nossos oceanos. É inaceitável que o Japão continue cometendo esse terrível massacre e em plena modernidade do século 21 nada seja feito em nome das baleias.
A sociedade está de olho, sombrancelhas estão sendo levantadas e estou aqui na Antártida aliada a Sea Shepherd esperando que possamos fazer algo nessa campanha e alertar à sociedade de todos os continentes sobre a necessidade e extrema importância da preservação da vida nos oceanos.
Kerguelen a vista!
Mais de vinte golfinhos (“Commerson`s Dolphin” - Cephalorhynchus Commersonii) vieram ao encontro do Steve Irwin para surfar na proa do navio. Avistamos montanhas dos mais variados formatos, algumas com neve no topo outras com vegetação... essa ilha é realmente fantástica! Nessa travessia lembro ter visto em um icebergue com o formato da escultura egípcia “Sphinx”/Esfinge e como estou acostumada em ver desenhos no meio da natureza, acabei mais uma vez me deparando com a “Sphinx”/Esfinge, só que dessa vez em um belíssimo conjunto de pedras que desde um ângulo específico, me fazia ver a escultura! Não me julgue louca, mas apenas um ser extremamente conectado com a natureza! :)
Ilha de Kerguelen!
Ancoramos na ilha de Kerguelen, maravilhados com todo cenário surreal. Mais uma vez encantada com essa viagem, que a cada dia me proporciona mais momentos marcantes.
Entramos em contato com a base francesa e minutos mais tarde, recebemos alguns dos pesquisadores a bordo do Steve Irwin e também entregamos nosso passaporte para poder visitar a ilha. Adorei a idéia de ter um carimbo no meu passaporte em pleno território austral! Que luxo! Também uma lembrança da sublime visita nessa parte do mundo onde poucos tem a chance de conhecer.
Fomos convidados pelos membros da base francesa para almoçar em terra. Como ainda seguimos no navio com o horário de Hobart, então na verdade para nós seria o jantar.
Logo que pisei em terra me deparei com pinguins reis (os que medem quase 1 metro) junto as focas-elefantes (que eram quase do tamanho do nosso inflável) próximos ao pier onde deixamos o Delta ao desembarcar. A pequena ilha possui oitenta habitantes no verão e cinquenta no inverno. Todos são simpáticos, receptivos e contam um pouco do seu trabalho de pesquisa na região que está passando pelo processo de estudos e pesquisas nos últimos sessenta anos.
Os pratos foram variados e deliciosos. Muito queijo, vinho e baguete francesa! Como é bom experimentar a cultura francesa no meio da Antártida!
Fomos ao correio e lá fui eu com minhas correspondências... O engraçado foi saber que as cartas só sairão da ilha em abril, quando o próximo navio passa por aqui. Ainda assim, mesmo que meus queridos amigos e familiares recebam minhas cartinhas quase no meio do ano, a intenção ainda é valiosa. Pensei neles e enviei todo meu amor e inspiração desde as águas glaciais da Antártida.
Nossa visita durou duas horas. Fotografei os animais selvagens, tomamos um café na casa de uma das pesquisadoras e procurei entender um pouco do estilo de vida deles e eles um pouco da nossa. Passamos pela pequena lojinha e comprei um vestido branco com o desenho de um albatroz (meu pássaro favorito) e uma escarfe azul-petróleo com o símbolo da bandeira local.
Ao voltar no Steve Irwin, soube que o Bob Barker estava a 5 milhas náuticas de nós e eles poderiam surgir no horizonte a qualquer momento. A visibilidade estava terrível, com um nevoeiro que não nos deixava ver mais que 50 metros de distância. O Delta foi ao encontro do Bob Barker enquanto mantivemos contato por rádio para saber melhor a localização deles e como seria nosso plano de aproximação.
Foi decidido que tocariamos um navio ao outro de “starboard to starboard”(estibordo com estibordo). A chegada foi magistral, no meio daquele nevoeiro surgiu nosso segundo navio e seus bravos guardiões do mar! Duas enormes bóias foram colocadas por segurança e a a aproximação foi bem sucedida.
Nosso dia durou umas quarenta horas, muito trabalho a ser feito em todos os departamentos do navio. Com toda transferência que precisava ser feita (de água, comida, cobertores, combustível), só conseguimos descansar de fato às duas da manhã, quando começou uma pequena festa no Steve Irwin e a maioria da tripulação do outro navio estava lá para desfrutar um pouco do nosso conforto.
Visitei o Bob Barker e fiquei impressionada com a diferença dos navios, desde o tamanho até o estado. Precisa apenas de um pouco de cuidado e amor para dar um pouco mais de vida. A parte disso, adorei a ponte de comando. Menor, mas charmosa e confortável. Tenho certeza de que o Steve Irwin três anos atrás estava em similar condição... então só o tempo mesmo para organizar melhor o navio e deixá-lo mais colorido.
A festa foi até altas horas mas com trabalho de soldagem no convés, já que ficaremos com o antigo jet ski do Ady Gil que vai ser colocado entre os dois infláveis. Alguns só foram para cama às seis da manhã. Nos encontrar foi uma espécie de alívio e conforto para os tripulantes dos outros navios. Os ex-tripulantes do Ady Gil já estão a bordo do Steve Irwin, aparentemente recuperados do baque da perda do trimarã e ansiosos para dar fim a essa viagem, chegando as suas casas sendo confortados pela sua família, começando um novo episódio de suas vidas. Completamente compreensível.
Barbara Veiga.