Paris,
setembro 2011
- As memórias do Golfo do Aden -
Ontem eu tive um jantar com meu amigo francês Antoine Montagne, e falamos sobre nossas perigosas aventuras nas nossas viagens pela África. Cada um com seu país e experiência. Então eu lembrei imediatamente de um episódio quando passava pelo Golfo do Aden.
Eu estava fazendo apinéia quando de repente percebi que havia um grupo de homens em um barco de cor vermelha e um motor de 250cv que se aproximava do Papaya, veleio que morei e viajei por alguns países saindo da Ásia até a Europa.
O barco vermelho se aproximou do Papaya, colocou a âncora e com o motor já parado, um dos tripulantes estava prestes a embarcar no veleiro. Fiquei aterrorizada, e rapidamente peguei o dingue para retornar ao Papaya e defender território. A distância não era grande, então cheguei à tempo antes que o tipo estranho embarcasse na minha "casa".
A primeira iniciativa foi pegar o rádio e informar os outros velejadores que estavam há algumas milhas de distância para nos socorrer. Em seguida, o desafio foi saber como interagir com os "estranhos". Procurei pensar que eram apenas pescadores, pessoas que simplesmente buscavam o que comer e beber.
Não sabia a origem deles. Ninguém falava inglês, francês ou um idioma que eu pudesse rapidamente identificar. Eles poderiam vir do Iêmen ou Somália, pensei!
A tensão aumentava quando tentavamos nos comunicar com eles. Era uma comunicação agressiva, de quem manda e não sabe pedir. Ao mesmo tempo não havia resposta no rádio dos velejadores franceses que eu havia contactado e sabia que estavam pelas redondezas. A solução foi para mim foi oferecer leite, água e alguns biscoitos. Nada de álcool, afinal era raro termos álcool a bordo do Papaya.
Passados cerca de 20 minutos, finalmente houve uma resposta no rádio. Era um dos navegadores que conhecíamos que estava há 15 milhas de distância. Ufa!
Um dos "pescadores" ou chamados por muitos como "piratas", mostrou que havia um problema, uma espécie de infecção e precisava de ajuda medical. O problema era o local da sua infecção. Ele tocava a água com suas mãos, pousava em frente ao seu orgão genital e pelo que entendi, saía pûs ou algo do gênero. Ele parecia muito doente, um aspecto quase que inconsciente. Ele era magérrimo. Os outros pouco falaram, mas seus olhares eram de desespero.
Imediatamente fui buscar medicamento que havia no barco, um antibiótico normal. Expliquei com gestos que para consumir um comprimido pela manhã(ao nascer do sol) e outro a noite(na hora de dormir). Era o melhor que poderia fazer.
O leite que ofereci era de caixinha. Havia muitas caixas, então achei que poderia ser uma boa solução. compartilhar. Ainda lembro da forma em que este mesmo homem da infecçnao me olhou, depois olhou para a caixa de leite. Parecia que ele nunca tinha visto antes. Aparentemente o único acesso ao leite que eles tem é em pó, porque dura mais tempo.
Os velejadores franceses, amigos que também faziam o mesmo trajeto chegaram. Era a hora do pôr do sol. Tive a sorte de que os "piratas" decidiram partir e se contentaram com comida, leite e água. Foi tenso, mas nos saímos bem. Uma história que jamais vou me esquecer. Estava ancorada no meio de uma pequena ilha, longe da costa e de qualquer acesso à civilização.
Em momentos como esse que me vejo como sou frágil. Mesmo no meio da natureza, no meio do mar, estamos sujeitos ao crime, a violação e à imposição. O mundo precisa de ajuda! A Natureza sim, mas os homens também.
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Bárbara Veiga.